TEXTOS DE AUTORES SOBRE A LINGUAGEM DA MÁSCARA
TEATRAL
A máscara e o espectador
de Odette Aslan,
in: Odette Aslan (Éd.), Le masque, Du rite au
théâtre, Paris, CNRS Éditions, 1999, pp. 279-289.
(Tradução de João Maria André)
Todo o encenador de um espetáculo
com máscaras deve tornar claro o jogo, evidente, legível, e dar as “chaves”
desta linguagem ao espectador. A máscara surpreende desde o início, gela um
pouco as reações. O ator deve vencer o écran que a máscara interpõe entre a
cena e a sala, o espectador deve reaprender a captar a mensagem corporal em vez
de se ligar a um rosto que debita palavras e reflete pensamentos. O ator
mascarado dirige-se diretamente a ele, solicita respostas. Rosto aprisionado,
meio cego, tenta energicamente despertar um eco sonoro no espectador para
estabelecer um contato. Em breve a sensação de incomodo é ultrapassada, o
espectador familiarizado aceita a convenção, ousa romper o seu silêncio e se manifestar.
O ator rompe com a sua
imagem de homem, toma de empréstimo o que pertence ao reino animal, vegetal,
acede à dimensão divina por uma convenção que lhe evita o ridículo. Sobre a
máscara superfície de todos os possíveis, abstrata ou figurativa, o espectador
projeta o seu imaginário, colabora na elaboração da personagem fictícia. São os
seus fantasmas que tornam o diabo crível, tanto quanto se crê ser antes o
talento do intérprete ou do criador da máscara.
Erhard Stiefel regozijou-se
que, a propósito de Age d’or première ébauche
do Théâtre du Soleil, os espectadores não
tenham praticamente reparado em suas máscaras. A sua integração era total. O
problema do olhar preocupa os criadores e inquieta os espectadores. O olhar de Gorgô
fascinava, dizem, pela sua insistência e facialidade. Ora a máscara de teatro é
desprovida de olhos e os do ator não aparecem sempre porque não se encontram forçosamente
ao mesmo nível ou são as fendas que são demasiado pequenas. O espectador tão
pouco sabe onde deve colocar o seu próprio olhar. A sua percepção modifica-se,
a troca é menos direta. Quando Marcello Moretti rasgou a sua máscara de
Arlequim para aumentar as fendas dos olhos a fim de ver melhor e de o seu olhar
ser visível, transgrediu uma das leis da máscara-receptáculo. O ator de Nô
desaparece inteiramente sob o poder que a máscara representa. Não vê senão
através das fendas reduzidas e deslocadas; tateia com o pé, como um cego, e
desenvolve uma energia muito grande: “Perde-se o sentido do espaço e tem-se dificuldade
em manter o equilíbrio. Foi por isso que se inventou a marcha particular do
Nô: não se levanta o pé, desliza-se (...). Quando se dirige a energia para um
ponto exterior afastado, tem-se a impressão de que se está a deslocar numa
grande distância.”1
1
Hideo KANZE, conversa en
Concerned Thetre Japan, retomada em TDR nº 15, 1971, pp. 187-188.
Jogar.com
Felisberto Sabino
Mestre e Doutor pela Universidadede São Paulo (USP)
Móin-Móin: Revista de Estudos sobre
M712 Teatro de Formas Animadas. Jaraguá do
Sul : SCAR/UDESC, ano 1, v. 1, 2005, pp. 36-38
Jogar com a
máscara é (com)partillhar a ação presente em múltiplas camadas, estabelecendo
inter-relações com o próprio corpo e deste com o objeto aposto em sua face. É
colocar-se em situação de risco e buscar um diálogo lúdico consigo mesmo, com o
outro e com o espectador num espaço-tempo
mutante. Tanto em Copeau quanto Lecoq, o jogo principia com o silêncio que
antecede ao uso palavra. Na sua pedagogia, antes da utilização da máscara
neutra, Lecoq propõe que se trabalhe a psicologia da vida silenciosa, para que
os alunos (re)vivam situações lúdicas sem se preocuparem com o público, em que
todos os participantes se envolvem e (re)criam uma sala de aula, um mercado, um
hospital ou um metrô. Nesse faz-de-conta, busca-se presentificar corporalmente
a liberdade experimentada na infância, processo que Lecoq define como rejeu,
para distingui-lo de jeu1 “que aparece mais tarde,
quando consciente da dimensão teatral, o ator dá, para o público, um ritmo, uma
medida, uma duração, um espaço, uma forma à sua improvisação.” (LECOQ, 1997:41)
Ao associar o jogo da máscara ao universo da brincadeira infantil, Copeau e
Lecoq elaboram práticas que procuram resgatar o estado lúdico, parte
fundamental no trabalho do ator. Porém, há a necessidade de conhecer os
condicionantes que se originam dos diversos aspectos que o envolvem nas
múltiplas relações. Selecionemos, inicialmente, um referente ao objeto: Amleto
Sartori, ao optar por confeccionar a máscara neutra em couro, a fez com um
material maleável demais, e quando colocada no rosto de Lecoq, aquela grudava
demasiadamente na pele, impedindo-o de jogar. Assim, ele percebeu que era
necessário haver uma distância entre rosto do ator e a máscara. Esta não atua
em oposição ao rosto, mas sim com ele, não se trata de um e de outro, porém de
ambos que se somam e interagem simultaneamente, mas não se fundem.
Numa outra
perspectiva, a existência de um vazio, embora não destituído de energia,
configura um espaço-tempo não visível, porém sensível, e pode ser observado na
regra dos três segundos, no jogo do andar/falar2 empregado pelo Théâtre
du Soleil, ou na dialética estabelecida entre ação e reação, na qual se
observa que, “quanto maior seja o espaço de tempo entre a ação e a reação mais
forte será a intensidade dramática, maior será o jogo teatral se o ator
sustentar esse nível.” (LOPES, 1990:59) Na
triangulação, que contribui para a
quebra da continuidade lógica sugerida pelo realismo e a inclusão da platéia no
jogo teatral, há micro-momentos de vazios, nos quais o espectador preenche com
a imaginação. Neste sentido, a professora Isa TRIGO nos diz que o “jogo cênico
é composto pelo tecido
vivo que se compõe dos olhares,
movimentos e pausas dentro de um estado específico” (1999:111) Assim, a pausa
dentro de um estado específico vincula-se também ao vazio que não ocasiona a
interrupção. Deve-se ressaltar que não se tratam de técnicas somente,
antes constituem princípios que
determinam o jogo. Assim, “o jogo do
ator [com a máscara] é, para falar de maneira figurada, seu duelo com o tempo,
em que as relações são (re)descobertas em presença.” (Apud PICON-VALLIN,
1989:35).
1 Entre os diversos sentidos que a palavra jeu suscita,
neste contexto, poderíamos
referir à atuação, ou seja, o jogo que o
ator estabelece durante a atuação.
2 O
exercício coloca como restrição a não simultaneidade das duas ações.
Eldredge/ Huston
Luciana Cesconetto
Doutora em Estudos Teatrais - Université de la Sorbonne
Nouvelle -Paris
Universidade
do Estado de Santa Catarina
Urdimento. Revista de Estudos
Teatrais na América Latina
Número 4, Dezembro/2002, pp.
64-66
Sears A.
Eldredge e Hollis Huston são professores em universidades dos EUA. Em seus
estudos, eles constataram que a definição de neutralidade varia de pedagogo
para pedagogo e que existem diversos tipos de máscaras neutras. Eldredge diz
que “os estilos de esculpi-las variam de acordo com a quantidade de
personalidade considerada adequada para a máscara” (ELDREDGE - HUSTON, 1978 ).
Em suas aulas, Eldredge ensina o seguinte:
·
A
contemplação da máscara. Trabalha com uma máscara de papel, só com buracos para
os olhos e uma forma de cone para o nariz. Não há identificação de boca. A
vantagem dessa máscara, segundo Eldredge, é que ela é mais abstrata, significa
simplesmente face humana. Os alunos observam e depois falam sobre as
características da máscara: mais verificam que ela é simétrica, não tem boca,
não tem traços de personagem nem de emoção, não tem definição de gênero;
·
Análise
do movimento pessoal de cada aluno;
·
Exercícios
sobre o corpo neutro: levantar, andar, sentar;
·
Exercícios
sobre “a mente neutra”: descobrindo o objeto pela primeira vez.
Com relação à metodologia de ensino,
Eldredge discute a neutralidade a partir da resposta dos alunos à contemplação
da máscara.
A noção de neutralidade e
despersonalização
Como explicitei anteriormente,
Eldredge verificou que existem variações com relação ao conceito de
neutralidade, que o “neutro” é uma construção intelectual e imaginária. Essa
verificação nos permite afirmar que no Grupo Moitará, o que foi ensinado
através da demonstração das atrizes como “a neutralidade” era “uma forma
particular de se movimentar”, um padrão de movimento desenvolvido no grupo.
Estávamos aprendendo uma técnica corporal, mais especificamente, uma técnica
corporal extra-cotidiana, pessoal. É uma técnica corporal por ser uma
forma particular de utilizar o corpo; é extra-cotidiana porque
necessita de uma aprendizagem mais ou menos formal; e pessoal por não ser
feita pra ser vista, faz parte do treinamento do ator (VOLLI, 1985). O conceito
de despersonalização está relacionado ao conceito de neutralidade. São como
duas faces da mesma moeda: para chegar a outro padrão de movimento (a
neutralidade) eu preciso deixar de lado a minha maneira cotidiana de agir (a
despersonalização). O conceito de despersonalização tinha o seguinte sentido,
no grupo Moitará: “abandonar a gestualidade cotidiana é atingir a
despersonalização”. Em nenhum momento o conceito foi remetido à “possessão pelo
outro” como propõe Lopes. Constatei que o grupo Moitará utiliza esse conceito
no mesmo sentido que foi utilizado por Dullin (colaborador de Copeau). Ele
afirmava que “despersonalizar” é mover-se sem seus tiques habituais, sem suas
manias, tratando de compor os movimentos do exterior (DULLIN, 1946).
A noção de percepção.
Seria possível se relacionar
com as coisas e os outros somente com os sentidos, sem pensar, como estava
sendo proposta na oficina em Londrina? Isto é possível simultaneamente à
aprendizagem da técnica? Recorri à psicologia científica como instrumento, a
fim de elucidar o fenômeno. Constatei que o fenômeno da percepção é um fenômeno
psicológico primário, acontece conosco.
Na percepção, estamos pura e
simplesmente na contemplação do objeto, não há reflexão, nos limitamos em
destacar uma forma sobre um fundo (...) esse modo irreflexivo é mais comum em
crianças com menos de um mês de vida ou em casos de crise de esquizofrenia,
onde a pessoa é levada pelos objetos que percebe, não pensa no que está
fazendo. (...), não há como reconhecer uma personalidade estruturada numa
pessoa absorvida nesse modo de relação com o mundo” (FRANCISCO,
1996).
Feito esse esclarecimento,
fica evidente que não é possível uma pessoa, com sua personalidade estruturada,
perceber (as coisas e os outros), sem pensar, durante os vários minutos que
pode durar um exercício com a máscara neutra e tendo que organizar seus
movimentos de acordo com regras precisas, como por exemplo: não ficar mais que
três segundos em relação com o objeto. Ter que respeitar regras já é pensar.
esse trabalho com a máscara neutra, podemos ter momentos de percepção sem reflexão,
mas esses momentos são curtos visto que temos que estar atentos às regras que
estamos aprendendo. O que seria possível é estar em relação com o objeto sem o
posicionamento do eu para a consciência. Nesse caso, estaremos em uma relação
espontânea com os objetos, o que não significa que não exista reflexão. O nome
científico desse tipo de relação é consciência reflexiva espontânea. Constatei
que essa questão está presente na pedagogia de Copeau: ele aborda o martírio do
ator quando esse se ouve falar, se vê atuando, se julga.
O que é possível no trabalho
com a máscara neutra, portanto, é construir uma figura neutra, que se relaciona
com os objetos “como se” não tivesse nem passado nem futuro, “como se” não
tivesse cultura. Essa figura neutra é uma construção a partir de uma idéia de
neutro, de um padrão de movimento que buscamos e que chamamos de neutro. Com
relação ao que foi ensinado no curso em Londrina, seria somente depois de o
aluno dominar essa forma particular de se movimentar que ele poderia trabalhar
sem o posicionamento do eu para a consciência, pois só depois de dominada uma
técnica é que conseguimos nos mover na espontaneidade.
A máscara-objeto e o teatro de Bertolt Brecht
Valmor Beltrame
Professor no Programa de Pós-Graduação emTeatro da
UDESC.
Mestre e Doutor pela Universidade de São Paulo (USP)
Pesquisa distintas manifestações do teatro de animação.
Revista Urdimento Março 2009 - Nº 12,
pp.111-114
O presente
estudo pretende encontrar contribuições sobre o uso da máscara no teatro
evidentes na obra de Bertolt Brecht (1898-1956). Sabemos que foi na montagem da
peça O Círculo de Giz Caucasiano, em 1954, com o elenco do Berliner
Ensemble que ele dirigiu primeira vez atores usando máscaras. Iniciamos esta
incursão recorrendo às poucas informações contidas nos registros desta encenação.
Posteriormente, concentramos o estudo nas contribuições contidas da peça
didática A decisão. A escolha deste texto se dá primeiramente pelo
enigmático que paira sobre o mesmo. “Poucas horas antes de sua morte, em
conversa com Manfred Wekwerth, Brecht definiu A decisão (Die Massnahme),
escrita em 1930, como modelo para o teatro do futuro” (KOUDELA, 1991, p. 59).
Além disso, Brecht proibiu a encenação do texto, enquanto ele vivesse. E, por
último, na leitura do texto encontramos formulações importantes capazes de
gerar reflexões sobre o tema: máscara.
112
As informações
relativas ao uso da máscara-objeto efetuadas por Brecht, são escassas e
dispersas. Sua obra constituída de Epische Schaustuecke - peças épicas
de espetáculo e Lehrtuecke - peças didáticas, além de prosa, poesia,
teoria e escritos sobre literatura, política e sociedade, não está separada
esquematicamente por temas e assuntos. Certamente isso se deve ao fato de ter
produzido uma obra inteiramente ligada com a sua prática de diretor, encenador,
poeta e Stücke-schreiber - escrivinhador de peças. Uma obra ligada com a
poesia e o fazer teatral. A opção pela permanente investigação e observação
crítica sobre o que fazia, contribuiu para que suas reflexões acerca deste tema
estejam distribuídas ao longo de sua obra. É preciso considerar também a vida
no exílio durante certo período de sua vida adulta e os problemas decorrentes
das ideias e posições políticas implícitas em sua arte. Onde buscar informações
sobre a máscara? Iniciar pelas montagens do Berliner Ensemble? Garimpar o Stücke-schreiber?
Em seus escritos teóricos? Procurar na sua poesia? Principiar pelo parágrafo 70
do Pequeno Organon é um bom caminho:
A exposição e sua comunicação por meio do estranhamento constituem
a tarefa principal do teatro. Nem tudo depende do ator, ainda que nada possa
ser feito sem o levarmos em conta. A fábula é interpretada, produzida e
apresentada pelo teatro como um todo, constituída de atores, cenógrafos,
encarregados das máscaras e do guarda-roupa, músicos e coreógrafos. Todos eles
conjugam suas artes para uma ação comum, sem evidentemente renunciar à sua
autonomia (BRECHT, 1967,
p. 216).
Pode-se
constatar neste parágrafo, a necessidade de todas as artes ou habilidades
atuarem numa perspectiva que contempla a unidade, isto é, estarem em função
daquilo que Brecht considera fundamental, a fábula. O poeta chama a atenção
para que se evite o uso ilustrativo da mesma, recaindo no fácil esteticismo ou
formalismo. Fica implícita a negação do uso da máscara como mero adereço ou
adorno. A máscara é utilizada como ferramenta a serviço do trabalho do ator,
cuja tarefa maior é narrar a fábula através da sua atuação. Ao afirmar que
“Todos eles conjugam sua arte para uma ação comum sem evidentemente renunciar à
sua autonomia” o Stücke-schreiber chama nossa atenção para o pensamento
dialético: “A marcha do conhecimento aparece assim como uma perpétua oscilação
entre as partes e o todo que se devem esclarecer mutuamente” (GOLDMANN, 1979,
p. 6). Ou seja, a máscara ou qualquer outro recurso (música, figurino, cenário)
tem um valor em si, indispensável enquanto contribuição plástica e sígnica
presente na sua forma e expressividade.
U
113
Mas este valor
não está dissociado da totalidade do espetáculo. Pelo contrário, ao mesmo tempo
em que essa expressividade constitui um valor particular, a máscara,
perfeitamente integrada na encenação, auxilia na compreensão geral do
espetáculo teatral. As informações sobre o uso da máscara pelos atores do
Berliner, quando montaram o Círculo de Giz Caucasiano, sob a direção de
Brecht, podem auxiliar o entendimento sobre a mesma. Philipe Ivernel (1988),
estudando seu uso diz que nesta montagem os atores usaram a máscara rígida ou
máscara-objeto cobrindo total ou parcialmente o rosto. A opção foi deixar as
figuras populares ou as personagens subalternas com o rosto nu, e mascarar os
ricos e poderosos. Aí já é possível observar o aproveitamento que Brecht faz da
máscara como recurso estético e ao mesmo tempo, instrumento capaz de auxiliar
na compreensão da obra. Nesta peça, que discute entre outras questões a
propriedade, faz-se necessário evidenciar as diferenças de classes sociais, bem
como destacar o comportamento dos personagens, possibilitando ao público a
compreensão dos antagonismos existentes entres eles. O relato de um momento dos
ensaios da peça, quando Helena Weigel interpreta a mulher do governador é
significativo para essa compreensão. Ivernel conta que se sugeriu inicialmente,
o uso de uma máscara inteira:
Era uma máscara bonita, mas a sua confecção dava a impressão de
personagem chinesa. Além disso, o efeito de sorrir quando ela se encontrava com
o ajudante, se perdia. Brecht gostaria de mantê-lo. Entra-se em acordo para
utilizar uma máscara relativamente reduzida, nariz e olhos (IVERNEL, 1988, p. 162).
Novamente a
confirmação: a máscara é um instrumento a serviço do trabalho do ator para
auxiliar na compreensão da fábula. Quando Brecht prefere manter o sorriso da
personagem, mulher do governador, ao encontrar-se com o ajudante, e para isso
elimina a máscara inteira, cortando-a e deixando apenas o nariz e os olhos,
demonstra mais uma vez que prioriza o sentido, prioriza a apreensão do conteúdo
que o texto e a interpretação do ator põem em discussão. A máscara é utilizada
para destacar o Gestus Social que contém a palavra e a ação. Ao mesmo tempo,
evidencia a máscara como elemento constitutivo do espetáculo: se o sorriso dessa
personagem é importante quando se relaciona com o ajudante, a meia-máscara
contribui para provocar a necessária expressão de surpresa/espanto no público,
apontando assim, para uma personagem cujo comportamento precisa ser desvelado.
U
114
O enigmático
que a máscara pode provocar, longe de introduzir um elemento psicológico,
aumenta a curiosidade, no sentido de desvendar a personagem, que se mostra, mas
ainda não de todo. Existe algo ainda a ser compreendido na relação que se
estabelece com Groucha, a criada, aqui representante da classe subalterna.
Neste sentido, a máscara mostra o comportamento da personagem, é recurso visual
e também é conteúdo narrativo (fábula). É notório que o uso da máscara
interfere diretamente na representação, no trabalho do ator. Jacques Lecoq, diz
que: “ela define os gestos do corpo e o tom da voz. Põe o texto acima do
cotidiano, filtra o essencial, e abandona o banal, ela torna visível” (LECOQ,
1987, p. 115). Ariane Mnouchkine, referindo-se à experiência com máscara no Thêatre
du Soleil relata:
Se os atores que querem improvisar no teatro contemporâneo não encontram rapidamente os meios de tomar certa
distância a fim de chegar a uma forma, eles correm o risco de patinar, de ficar
no psicológico, no paródico, no superficial e outras armadilhas que nós
queremos evitar. Nos demos conta de que a máscara impunha tal trabalho sob o
signo teatral, sob a maneira de representar as coisas, que constituía uma disciplina
de base e esta disciplina tornou-se para nós indispensável (MNOUCHKINE, 1988, p. 231).
O diretor do
Bread and Puppet Theatre, Peter Schummann, afirma que a máscara possui sua
própria linguagem e que existe tão simplesmente por causa desta estranha relação
de uma escultura com o corpo humano. Dario Fo, por sua vez, comenta:
A máscara requer um conjunto singular de gestos e estilos. O
movimento do corpo vai mais além do habitual movimento dos ombros. [...]
Enquanto atua com a máscara os gestos do ator devem ser grandiosos e
exagerados. [...] O ator que escolhe atuar com uma máscara deve passar por um
regime especifico de exercícios para alcançar uma atuação perfeita - uma
fluidez de movimentos que vem quase naturalmente. (FO, 1991, p. 8).
As afirmações
destes diretores confirmam a importância da máscara na montagem do espetáculo, na preparação do ator, na relação
que se estabelece entre o ator e as figuras ou formas com as quais contracena.
Brecht destaca mais um valor indispensável à máscara quando afirma que a mesma
pode nos remeter a uma melhor compreensão da fábula e a evidenciar o Gestus
Social: “todo elemento formal que nos impede de captar as causas sociais
deve desaparecer, todo elemento formal que nos ajuda a compreender a
causalidade social deve ser utilizado” (BRECHT apud PAVIS, 1999, p. 175).
Para vestir uma mascara e necessario um grande preparo. Assim como nas tribos, o page, era o legitimo portador das mascaras, porque somente ele tinha conhecimento e preparo para vesti-la sobre seu rosto, no teatro, embora todo ator ou atriz possa usa-la, e preciso que haja preparacao e treinamento para que a mascara de fato funcione como uma linguagem.
Texto A Máscara Teatral
A MASCARA TEATRAL
Por Tiche Vianna

A máscara e um objeto que, quando colocado sobre o rosto de uma pessoa, torna visivel, para quem observa, uma troca de identidade. Diante dos olhos do observador, um ser torna-se outro porque seu rosto desaparece e um outro "rosto", presentifica-se.
Em tribos indigenas, em aldeias africanas, em festas religiosas, quando surge a necessidade de se apresentar um rosto para o qual nao existe uma imagem concreta, a mascara e o objeto capaz de satisfazer materialmente esta necessidade, uma vez que, um rosto esculpido na madeira, no couro ou em palha, criado pela imaginacao e aceito pela sociedade, como capaz de representar a tal figura desejada. Assim, toda vez que um page se comunica com a tribo para tomar decisoes importantes, invoca uma divindade que se manifesta concretamente diante da tribo, atraves do uso da mascara. Ao vesti-la sobre seu rosto, o page deixa de ser quem e para tornar-se imediatamente, a entidade invocada que pode ser vista por todos. Enquanto veste a mascara, a tribo nao estabelece relacoes com o page. A tribo fala, dana e pede conselhos diretamente a entidade invocada, que ao ser representada pela mascara, parece existir de verdade.

Podemos observar que a mascara provoca uma troca de identidade para quem a veste, como se ao ocultar o rosto, o individuo deixasse de ser quem e no cotidiano e passasse a exercer o carater, o raciocinio e o comportamento fisico, da imagem que concretamente esta representada pela mascara em questao. Isso tambem acontece com quem a ve, pois admite que quem esta diante de si e a figura que a mascara representa.
Partindo do principio de que a mascara e um objeto concreto que possibilita a materialidade do fenomeno teatral, o teatro serve-se de duas caracteristicas da mascara: a mascara como linguagem cenica e a mascara como instrumento tecnico e didatico.
No caso da mascara didatica, abordamos tres tipos de mascaras: a mascara neutra, a meia mascara neutra e a mascara larvaria. Esses tres tipos de mascaras provocam o estudo do proprio corpo na construcao do movimento, do gesto e da mao, elementos esses, muito importantes para a realizao de qualquer personagem.
As mascaras neutras sao mascaras que possuem tamanha simetria que revelam tudo o que e executado pelo ator, por mais sutil que seja, auxiliando a analise da execucao, na busca da melhor maneira de se fazer o trabalho.
As mascaras expressivas sao mascaras que apresentam em seus tracos, a especificidade de um carater, apresentando "personagens" e suas relacoes com outras mascaras. Por este motivo sao mascaras que constituem uma linguagem, pois a maneira de pensar, agir e falar de cada uma delas estabelece um conjunto de regras que determina de que modo este espetaculo pode ser realizado.

O maior exemplo que temos no teatro ocidental, de espetaculos que tem a mascara como linguagem, a Commedia Dell'Arte, genero italiano que surgiu no seculo XVI e durou quase tres seculos, percorrendo toda a Europa. No teatro oriental temos o Teatro N (Japo), A pera de Pequim (China), as Mascaras de Bali (India) e tantos outros.
No Brasil, hoje, nao sao muitos os grupos de teatro que trabalham com a linguagem da mascara. Temos o Grupo Moitar, no Rio de Janeiro, o Fora do Serio, em Ribeirao Preto o Barraco Teatro - Espaco de Investigacao e Criacao Teatral em Campinas, no distrito de Barao Geraldo.

Ao contrario da mascara de carnaval, que deve esconder quem esta por tras dela, a mascara teatral nao pode provocar, de nenhum modo, a curiosidade de se saber quem a esta vestindo. Quando isso acontece, costuma-se dizer que dois corpos estao tentando ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo: o ator e a mascara, e sabemos que impossivel.
Quando uma mascara expressiva e colocada sobre o rosto de um ator, como se a sua identidade pessoal, desse lugar a uma nova identidade que dever ser construida por inteiro, com todo o seu corpo. Tudo no ator se modifica, inclusive a voz, a ponto de nao ser possivel reconhecer, quem esta por tras da mascara e de envolver o espectador de tal maneira com esta figura que se apresenta, que o transporta para um mundo fantastico, imaginário.
A mascara sempre foi considerada um objeto sagrado, mas no teatro, apesar do respeito que um ator tenha por ela, a mascara constitui acima de tudo um objeto capaz de realizar uma linguagem cênica encantadora e um instrumento tecnico para o desenvolvimento e aperfeicoamento do trabalho do ator.
Tiche Vianna - diretora de teatro com especializacao em mascara e commedia dell'arte e integrante do Barracao Teatro.
Fonte: www.baraoemrevista.org/teatro