Textos


TEXTOS  DE AUTORES SOBRE A LINGUAGEM DA MÁSCARA TEATRAL



A máscara e o espectador

de Odette Aslan,
in: Odette Aslan (Éd.), Le masque, Du rite au
théâtre, Paris, CNRS Éditions, 1999, pp. 279-289.
(Tradução de João Maria André)

Todo o encenador de um espetáculo com máscaras deve tornar claro o jogo, evidente, legível, e dar as “chaves” desta linguagem ao espectador. A máscara surpreende desde o início, gela um pouco as reações. O ator deve vencer o écran que a máscara interpõe entre a cena e a sala, o espectador deve reaprender a captar a mensagem corporal em vez de se ligar a um rosto que debita palavras e reflete pensamentos. O ator mascarado dirige-se diretamente a ele, solicita respostas. Rosto aprisionado, meio cego, tenta energicamente despertar um eco sonoro no espectador para estabelecer um contato. Em breve a sensação de incomodo é ultrapassada, o espectador familiarizado aceita a convenção, ousa romper o seu silêncio e se manifestar.

O ator rompe com a sua imagem de homem, toma de empréstimo o que pertence ao reino animal, vegetal, acede à dimensão divina por uma convenção que lhe evita o ridículo. Sobre a máscara superfície de todos os possíveis, abstrata ou figurativa, o espectador projeta o seu imaginário, colabora na elaboração da personagem fictícia. São os seus fantasmas que tornam o diabo crível, tanto quanto se crê ser antes o talento do intérprete ou do criador da máscara.

Erhard Stiefel regozijou-se que, a propósito de Age d’or première ébauche do Théâtre du Soleil, os espectadores não tenham praticamente reparado em suas máscaras. A sua integração era total. O problema do olhar preocupa os criadores e inquieta os espectadores. O olhar de Gorgô fascinava, dizem, pela sua insistência e facialidade. Ora a máscara de teatro é desprovida de olhos e os do ator não aparecem sempre porque não se encontram forçosamente ao mesmo nível ou são as fendas que são demasiado pequenas. O espectador tão pouco sabe onde deve colocar o seu próprio olhar. A sua percepção modifica-se, a troca é menos direta. Quando Marcello Moretti rasgou a sua máscara de Arlequim para aumentar as fendas dos olhos a fim de ver melhor e de o seu olhar ser visível, transgrediu uma das leis da máscara-receptáculo. O ator de Nô desaparece inteiramente sob o poder que a máscara representa. Não vê senão através das fendas reduzidas e deslocadas; tateia com o pé, como um cego, e desenvolve uma energia muito grande: “Perde-se o sentido do espaço e tem-se dificuldade em manter o equilíbrio. Foi por isso que se inventou a marcha particular do Nô: não se levanta o pé, desliza-se (...). Quando se dirige a energia para um ponto exterior afastado, tem-se a impressão de que se está a deslocar numa grande distância.”1


1 Hideo KANZE, conversa en Concerned Thetre Japan, retomada em TDR nº 15, 1971, pp. 187-188.




 Jogar.com

Felisberto Sabino
Mestre e Doutor pela Universidadede São Paulo (USP)
Móin-Móin: Revista de Estudos sobre
M712 Teatro de Formas Animadas. Jaraguá do
Sul : SCAR/UDESC, ano 1, v. 1, 2005, pp. 36-38

Jogar com a máscara é (com)partillhar a ação presente em múltiplas camadas, estabelecendo inter-relações com o próprio corpo e deste com o objeto aposto em sua face. É colocar-se em situação de risco e buscar um diálogo lúdico consigo mesmo, com o outro e com o espectador num espaço-tempo mutante. Tanto em Copeau quanto Lecoq, o jogo principia com o silêncio que antecede ao uso palavra. Na sua pedagogia, antes da utilização da máscara neutra, Lecoq propõe que se trabalhe a psicologia da vida silenciosa, para que os alunos (re)vivam situações lúdicas sem se preocuparem com o público, em que todos os participantes se envolvem e (re)criam uma sala de aula, um mercado, um hospital ou um metrô. Nesse faz-de-conta, busca-se presentificar corporalmente a liberdade experimentada na infância, processo que Lecoq define como rejeu, para distingui-lo de jeu1 “que aparece mais tarde, quando consciente da dimensão teatral, o ator dá, para o público, um ritmo, uma medida, uma duração, um espaço, uma forma à sua improvisação.” (LECOQ, 1997:41) Ao associar o jogo da máscara ao universo da brincadeira infantil, Copeau e Lecoq elaboram práticas que procuram resgatar o estado lúdico, parte fundamental no trabalho do ator. Porém, há a necessidade de conhecer os condicionantes que se originam dos diversos aspectos que o envolvem nas múltiplas relações. Selecionemos, inicialmente, um referente ao objeto: Amleto Sartori, ao optar por confeccionar a máscara neutra em couro, a fez com um material maleável demais, e quando colocada no rosto de Lecoq, aquela grudava demasiadamente na pele, impedindo-o de jogar. Assim, ele percebeu que era necessário haver uma distância entre rosto do ator e a máscara. Esta não atua em oposição ao rosto, mas sim com ele, não se trata de um e de outro, porém de ambos que se somam e interagem simultaneamente, mas não se fundem.

Numa outra perspectiva, a existência de um vazio, embora não destituído de energia, configura um espaço-tempo não visível, porém sensível, e pode ser observado na regra dos três segundos, no jogo do andar/falar2 empregado pelo Théâtre du Soleil, ou na dialética estabelecida entre ação e reação, na qual se observa que, “quanto maior seja o espaço de tempo entre a ação e a reação mais forte será a intensidade dramática, maior será o jogo teatral se o ator sustentar esse nível.” (LOPES, 1990:59) Na
triangulação, que contribui para a quebra da continuidade lógica sugerida pelo realismo e a inclusão da platéia no jogo teatral, há micro-momentos de vazios, nos quais o espectador preenche com a imaginação. Neste sentido, a professora Isa TRIGO nos diz que o “jogo cênico é composto pelo tecido
vivo que se compõe dos olhares, movimentos e pausas dentro de um estado específico” (1999:111) Assim, a pausa dentro de um estado específico vincula-se também ao vazio que não ocasiona a interrupção. Deve-se ressaltar que não se tratam de técnicas somente, antes constituem princípios que
determinam o jogo. Assim, “o jogo do ator [com a máscara] é, para falar de maneira figurada, seu duelo com o tempo, em que as relações são (re)descobertas em presença.” (Apud PICON-VALLIN, 1989:35).



1 Entre os diversos sentidos que a palavra jeu suscita, neste contexto, poderíamos
referir à atuação, ou seja, o jogo que o ator estabelece durante a atuação.

2 O exercício coloca como restrição a não simultaneidade das duas ações.

  

Eldredge/ Huston

Luciana Cesconetto
Doutora em Estudos Teatrais - Université de la Sorbonne Nouvelle -Paris
Universidade do Estado de Santa Catarina
Urdimento. Revista de Estudos Teatrais na América Latina
Número 4, Dezembro/2002, pp. 64-66


Sears A. Eldredge e Hollis Huston são professores em universidades dos EUA. Em seus estudos, eles constataram que a definição de neutralidade varia de pedagogo para pedagogo e que existem diversos tipos de máscaras neutras. Eldredge diz que “os estilos de esculpi-las variam de acordo com a quantidade de personalidade considerada adequada para a máscara” (ELDREDGE - HUS­TON, 1978 ). Em suas aulas, Eldredge ensina o seguinte:

·        A contemplação da máscara. Trabalha com uma máscara de papel, só com buracos para os olhos e uma forma de cone para o nariz. Não há identificação de boca. A vantagem dessa máscara, segundo Eldredge, é que ela é mais abstrata, significa simplesmente face humana. Os alunos observam e depois falam sobre as características da máscara: mais verificam que ela é simétrica, não tem boca, não tem traços de personagem nem de emoção, não tem definição de gênero;

·        Análise do movimento pessoal de cada aluno;

·        Exercícios sobre o corpo neutro: levantar, andar, sentar;

·        Exercícios sobre “a mente neutra”: descobrindo o objeto pela pri­meira vez.

Com relação à metodologia de ensino, Eldredge discute a neutralidade a partir da resposta dos alunos à contemplação da máscara.

A noção de neutralidade e despersonalização

Como explicitei anteriormente, Eldredge verificou que existem va­riações com relação ao conceito de neutralidade, que o “neutro” é uma cons­trução intelectual e imaginária. Essa verificação nos permite afirmar que no Grupo Moitará, o que foi ensinado através da demonstração das atrizes como “a neutralidade” era “uma forma particular de se movimentar”, um padrão de mo­vimento desenvolvido no grupo. Estávamos aprendendo uma técnica corporal, mais especificamente, uma técnica corporal extra-cotidiana, pessoal. É uma téc­nica corporal por ser uma forma particular de utilizar o corpo; é extra-cotidiana porque necessita de uma aprendizagem mais ou menos formal; e pessoal por não ser feita pra ser vista, faz parte do treinamento do ator (VOLLI, 1985). O conceito de despersonalização está relacionado ao conceito de neu­tralidade. São como duas faces da mesma moeda: para chegar a outro padrão de movimento (a neutralidade) eu preciso deixar de lado a minha maneira cotidiana de agir (a despersonalização). O conceito de despersonalização tinha o seguinte sentido, no grupo Moitará: “abandonar a gestualidade cotidiana é atingir a despersonalização”. Em nenhum momento o conceito foi remetido à “possessão pelo outro” como propõe Lopes. Constatei que o grupo Moitará utiliza esse conceito no mesmo sentido que foi utilizado por Dullin (colaborador de Copeau). Ele afirmava que “despersonalizar” é mover-se sem seus tiques habituais, sem suas manias, tratando de compor os movimentos do exterior (DULLIN, 1946).

A noção de percepção.

Seria possível se relacionar com as coisas e os outros somente com os sentidos, sem pensar, como estava sendo proposta na oficina em Londrina? Isto é possível simultaneamente à aprendizagem da técnica? Recorri à psicologia científica como instrumento, a fim de elucidar o fenômeno. Constatei que o fenômeno da percepção é um fenômeno psicológico primário, acontece conosco.

Na percepção, estamos pura e simplesmente na contemplação do objeto, não há reflexão, nos limitamos em destacar uma forma sobre um fundo (...) esse modo irreflexivo é mais comum em crianças com menos de um mês de vida ou em casos de crise de esquizofrenia, onde a pessoa é levada pelos objetos que percebe, não pensa no que está fazendo. (...), não há como reco­nhecer uma personalidade estruturada numa pessoa absorvida nesse modo de relação com o mundo” (FRANCISCO, 1996).

Feito esse esclarecimento, fica evidente que não é possível uma pessoa, com sua personalidade estruturada, perceber (as coisas e os outros), sem pensar, durante os vários minutos que pode durar um exercício com a máscara neutra e tendo que organizar seus movimentos de acordo com regras precisas, como por exemplo: não ficar mais que três segundos em relação com o objeto. Ter que respeitar regras já é pensar. esse trabalho com a máscara neutra, podemos ter momentos de percepção sem reflexão, mas esses momentos são curtos visto que temos que estar atentos às regras que estamos aprendendo. O que seria possível é estar em relação com o objeto sem o posicionamento do eu para a consciência. Nesse caso, estaremos em uma relação espontânea com os objetos, o que não significa que não exista reflexão. O nome científico desse tipo de relação é consciência reflexiva espontânea. Constatei que essa questão está presente na pedagogia de Copeau: ele aborda o martírio do ator quando esse se ouve falar, se vê atuando, se julga.

O que é possível no trabalho com a máscara neutra, portanto, é construir uma figura neutra, que se relaciona com os objetos “como se” não tivesse nem passado nem futuro, “como se” não tivesse cultura. Essa figura neutra é uma construção a partir de uma idéia de neutro, de um padrão de movimento que buscamos e que chamamos de neutro. Com relação ao que foi ensinado no curso em Londrina, seria somente depois de o aluno dominar essa forma particular de se movimentar que ele poderia trabalhar sem o posicionamento do eu para a consciência, pois só depois de dominada uma técnica é que conseguimos nos mover na espontaneidade.




A máscara-objeto e o teatro de Bertolt Brecht

Valmor Beltrame
Professor no Programa de Pós-Graduação emTeatro da UDESC.
Mestre e Doutor pela Universidade de São Paulo (USP)
Pesquisa distintas manifestações do teatro de animação.
Revista Urdimento Março 2009 - Nº 12, pp.111-114

O presente estudo pretende encontrar contribuições sobre o uso da máscara no teatro evidentes na obra de Bertolt Brecht (1898-1956). Sabemos que foi na montagem da peça O Círculo de Giz Caucasiano, em 1954, com o elenco do Berliner Ensemble que ele dirigiu primeira vez atores usando máscaras. Iniciamos esta incursão recorrendo às poucas informações contidas nos registros desta encenação. Posteriormente, concentramos o estudo nas contribuições contidas da peça didática A decisão. A escolha deste texto se dá primeiramente pelo enigmático que paira sobre o mesmo. “Poucas horas antes de sua morte, em conversa com Manfred Wekwerth, Brecht definiu A decisão (Die Massnahme), escrita em 1930, como modelo para o teatro do futuro” (KOUDELA, 1991, p. 59). Além disso, Brecht proibiu a encenação do texto, enquanto ele vivesse. E, por último, na leitura do texto encontramos formulações importantes capazes de gerar reflexões sobre o tema: máscara.
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As informações relativas ao uso da máscara-objeto efetuadas por Brecht, são escassas e dispersas. Sua obra constituída de Epische Schaustuecke - peças épicas de espetáculo e Lehrtuecke - peças didáticas, além de prosa, poesia, teoria e escritos sobre literatura, política e sociedade, não está separada esquematicamente por temas e assuntos. Certamente isso se deve ao fato de ter produzido uma obra inteiramente ligada com a sua prática de diretor, encenador, poeta e Stücke-schreiber - escrivinhador de peças. Uma obra ligada com a poesia e o fazer teatral. A opção pela permanente investigação e observação crítica sobre o que fazia, contribuiu para que suas reflexões acerca deste tema estejam distribuídas ao longo de sua obra. É preciso considerar também a vida no exílio durante certo período de sua vida adulta e os problemas decorrentes das ideias e posições políticas implícitas em sua arte. Onde buscar informações sobre a máscara? Iniciar pelas montagens do Berliner Ensemble? Garimpar o Stücke-schreiber? Em seus escritos teóricos? Procurar na sua poesia? Principiar pelo parágrafo 70 do Pequeno Organon é um bom caminho:

A exposição e sua comunicação por meio do estranhamento constituem a tarefa principal do teatro. Nem tudo depende do ator, ainda que nada possa ser feito sem o levarmos em conta. A fábula é interpretada, produzida e apresentada pelo teatro como um todo, constituída de atores, cenógrafos, encarregados das máscaras e do guarda-roupa, músicos e coreógrafos. Todos eles conjugam suas artes para uma ação comum, sem evidentemente renunciar à sua autonomia (BRECHT, 1967, p. 216).

Pode-se constatar neste parágrafo, a necessidade de todas as artes ou habilidades atuarem numa perspectiva que contempla a unidade, isto é, estarem em função daquilo que Brecht considera fundamental, a fábula. O poeta chama a atenção para que se evite o uso ilustrativo da mesma, recaindo no fácil esteticismo ou formalismo. Fica implícita a negação do uso da máscara como mero adereço ou adorno. A máscara é utilizada como ferramenta a serviço do trabalho do ator, cuja tarefa maior é narrar a fábula através da sua atuação. Ao afirmar que “Todos eles conjugam sua arte para uma ação comum sem evidentemente renunciar à sua autonomia” o Stücke-schreiber chama nossa atenção para o pensamento dialético: “A marcha do conhecimento aparece assim como uma perpétua oscilação entre as partes e o todo que se devem esclarecer mutuamente” (GOLDMANN, 1979, p. 6). Ou seja, a máscara ou qualquer outro recurso (música, figurino, cenário) tem um valor em si, indispensável enquanto contribuição plástica e sígnica presente na sua forma e expressividade.
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Mas este valor não está dissociado da totalidade do espetáculo. Pelo contrário, ao mesmo tempo em que essa expressividade constitui um valor particular, a máscara, perfeitamente integrada na encenação, auxilia na compreensão geral do espetáculo teatral. As informações sobre o uso da máscara pelos atores do Berliner, quando montaram o Círculo de Giz Caucasiano, sob a direção de Brecht, podem auxiliar o entendimento sobre a mesma. Philipe Ivernel (1988), estudando seu uso diz que nesta montagem os atores usaram a máscara rígida ou máscara-objeto cobrindo total ou parcialmente o rosto. A opção foi deixar as figuras populares ou as personagens subalternas com o rosto nu, e mascarar os ricos e poderosos. Aí já é possível observar o aproveitamento que Brecht faz da máscara como recurso estético e ao mesmo tempo, instrumento capaz de auxiliar na compreensão da obra. Nesta peça, que discute entre outras questões a propriedade, faz-se necessário evidenciar as diferenças de classes sociais, bem como destacar o comportamento dos personagens, possibilitando ao público a compreensão dos antagonismos existentes entres eles. O relato de um momento dos ensaios da peça, quando Helena Weigel interpreta a mulher do governador é significativo para essa compreensão. Ivernel conta que se sugeriu inicialmente, o uso de uma máscara inteira:

Era uma máscara bonita, mas a sua confecção dava a impressão de personagem chinesa. Além disso, o efeito de sorrir quando ela se encontrava com o ajudante, se perdia. Brecht gostaria de mantê-lo. Entra-se em acordo para utilizar uma máscara relativamente reduzida, nariz e olhos (IVERNEL, 1988, p. 162).

Novamente a confirmação: a máscara é um instrumento a serviço do trabalho do ator para auxiliar na compreensão da fábula. Quando Brecht prefere manter o sorriso da personagem, mulher do governador, ao encontrar-se com o ajudante, e para isso elimina a máscara inteira, cortando-a e deixando apenas o nariz e os olhos, demonstra mais uma vez que prioriza o sentido, prioriza a apreensão do conteúdo que o texto e a interpretação do ator põem em discussão. A máscara é utilizada para destacar o Gestus Social que contém a palavra e a ação. Ao mesmo tempo, evidencia a máscara como elemento constitutivo do espetáculo: se o sorriso dessa personagem é importante quando se relaciona com o ajudante, a meia-máscara contribui para provocar a necessária expressão de surpresa/espanto no público, apontando assim, para uma personagem cujo comportamento precisa ser desvelado.
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O enigmático que a máscara pode provocar, longe de introduzir um elemento psicológico, aumenta a curiosidade, no sentido de desvendar a personagem, que se mostra, mas ainda não de todo. Existe algo ainda a ser compreendido na relação que se estabelece com Groucha, a criada, aqui representante da classe subalterna. Neste sentido, a máscara mostra o comportamento da personagem, é recurso visual e também é conteúdo narrativo (fábula). É notório que o uso da máscara interfere diretamente na representação, no trabalho do ator. Jacques Lecoq, diz que: “ela define os gestos do corpo e o tom da voz. Põe o texto acima do cotidiano, filtra o essencial, e abandona o banal, ela torna visível” (LECOQ, 1987, p. 115). Ariane Mnouchkine, referindo-se à experiência com máscara no Thêatre du Soleil relata:



Se os atores que querem improvisar no teatro contemporâneo não  encontram rapidamente os meios de tomar certa distância a fim de chegar a uma forma, eles correm o risco de patinar, de ficar no psicológico, no paródico, no superficial e outras armadilhas que nós queremos evitar. Nos demos conta de que a máscara impunha tal trabalho sob o signo teatral, sob a maneira de representar as coisas, que constituía uma disciplina de base e esta disciplina tornou-se para nós indispensável (MNOUCHKINE, 1988, p. 231).



O diretor do Bread and Puppet Theatre, Peter Schummann, afirma que a máscara possui sua própria linguagem e que existe tão simplesmente por causa desta estranha relação de uma escultura com o corpo humano. Dario Fo, por sua vez, comenta:

A máscara requer um conjunto singular de gestos e estilos. O movimento do corpo vai mais além do habitual movimento dos ombros. [...] Enquanto atua com a máscara os gestos do ator devem ser grandiosos e exagerados. [...] O ator que escolhe atuar com uma máscara deve passar por um regime especifico de exercícios para alcançar uma atuação perfeita - uma fluidez de movimentos que vem quase naturalmente. (FO, 1991, p. 8).

As afirmações destes diretores confirmam a importância da máscara na montagem do  espetáculo, na preparação do ator, na relação que se estabelece entre o ator e as figuras ou formas com as quais contracena. Brecht destaca mais um valor indispensável à máscara quando afirma que a mesma pode nos remeter a uma melhor compreensão da fábula e a evidenciar o Gestus Social: “todo elemento formal que nos impede de captar as causas sociais deve desaparecer, todo elemento formal que nos ajuda a compreender a causalidade social deve ser utilizado” (BRECHT apud PAVIS, 1999, p. 175).







Texto A Máscara Teatral

A MASCARA TEATRAL
Por Tiche Vianna
A máscara e um objeto que, quando colocado sobre o rosto de uma pessoa, torna visivel, para quem observa, uma troca de identidade. Diante dos olhos do observador, um ser torna-se outro porque seu rosto desaparece e um outro "rosto", presentifica-se.
Em tribos indigenas, em aldeias africanas, em festas religiosas, quando surge a necessidade de se apresentar um rosto para o qual nao existe uma imagem concreta, a mascara e o objeto capaz de satisfazer materialmente esta necessidade, uma vez que, um rosto esculpido na madeira, no couro ou em palha, criado pela imaginacao e aceito pela sociedade, como capaz de representar a tal figura desejada. Assim, toda vez que um page se comunica com a tribo para tomar decisoes importantes, invoca uma divindade que se manifesta concretamente diante da tribo, atraves do uso da mascara. Ao vesti-la sobre seu rosto, o page deixa de ser quem e para tornar-se imediatamente, a entidade invocada que pode ser vista por todos. Enquanto veste a mascara, a tribo nao estabelece relacoes com o page. A tribo fala, dana e pede conselhos diretamente a entidade invocada, que ao ser representada pela mascara, parece existir de verdade.
Podemos observar que a mascara provoca uma troca de identidade para quem a veste, como se ao ocultar o rosto, o individuo deixasse de ser quem e no cotidiano e passasse a exercer o carater, o raciocinio e o comportamento fisico, da imagem que concretamente esta representada pela mascara em questao. Isso tambem acontece com quem a ve, pois admite que quem esta diante de si e a figura que a mascara representa.
Partindo do principio de que a mascara e um objeto concreto que possibilita a materialidade do fenomeno teatral, o teatro serve-se de duas caracteristicas da mascara: a mascara como linguagem cenica e a mascara como instrumento tecnico e didatico.
No caso da mascara didatica, abordamos tres tipos de mascaras: a mascara neutra, a meia mascara neutra e a mascara larvaria. Esses tres tipos de mascaras provocam o estudo do proprio corpo na construcao do movimento, do gesto e da mao, elementos esses, muito importantes para a realizao de qualquer personagem.
As mascaras neutras sao mascaras que possuem tamanha simetria que revelam tudo o que e executado pelo ator, por mais sutil que seja, auxiliando a analise da execucao, na busca da melhor maneira de se fazer o trabalho.
As mascaras expressivas sao mascaras que apresentam em seus tracos, a especificidade de um carater, apresentando "personagens" e suas relacoes com outras mascaras. Por este motivo sao mascaras que constituem uma linguagem, pois a maneira de pensar, agir e falar de cada uma delas estabelece um conjunto de regras que determina de que modo este espetaculo pode ser realizado.
O maior exemplo que temos no teatro ocidental, de espetaculos que tem a mascara como linguagem, a Commedia Dell'Arte, genero italiano que surgiu no seculo XVI e durou quase tres seculos, percorrendo toda a Europa. No teatro oriental temos o Teatro N (Japo), A pera de Pequim (China), as Mascaras de Bali (India) e tantos outros.
No Brasil, hoje, nao sao muitos os grupos de teatro que trabalham com a linguagem da mascara. Temos o Grupo Moitar, no Rio de Janeiro, o Fora do Serio, em Ribeirao Preto o Barraco Teatro - Espaco de Investigacao e Criacao Teatral em Campinas, no distrito de Barao Geraldo.
Para vestir uma mascara e necessario um grande preparo. Assim como nas tribos, o page, era o legitimo portador das mascaras, porque somente ele tinha conhecimento e preparo para vesti-la sobre seu rosto, no teatro, embora todo ator ou atriz possa usa-la, e preciso que haja preparacao e treinamento para que a mascara de fato funcione como uma linguagem.
Ao contrario da mascara de carnaval, que deve esconder quem esta por tras dela, a mascara teatral nao pode provocar, de nenhum modo, a curiosidade de se saber quem a esta vestindo. Quando isso acontece, costuma-se dizer que dois corpos estao tentando ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo: o ator e a mascara, e sabemos que impossivel.
Quando uma mascara expressiva e colocada sobre o rosto de um ator, como se a sua identidade pessoal, desse lugar a uma nova identidade que dever ser construida por inteiro, com todo o seu corpo. Tudo no ator se modifica, inclusive a voz, a ponto de nao ser possivel reconhecer, quem esta por tras da mascara e de envolver o espectador de tal maneira com esta figura que se apresenta, que o transporta para um mundo fantastico, imaginário.
A mascara sempre foi considerada um objeto sagrado, mas no teatro, apesar do respeito que um ator tenha por ela, a mascara constitui acima de tudo um objeto capaz de realizar uma linguagem cênica encantadora e um instrumento tecnico para o desenvolvimento e aperfeicoamento do trabalho do ator.
Tiche Vianna - diretora de teatro com especializacao em mascara e commedia dell'arte e integrante do Barracao Teatro.
Fonte: www.baraoemrevista.org/teatro

Sobre o núcleo

Desde setembro de 2008, o Núcleo de Máscara da ELT trabalha de modo colaborativo na pesquisa da linguagem da máscara, sob os aspectos teóricos, estéticos, históricos, geográficos e culturais. O trabalho parte da prática, que sempre tem como fio condutor o jogo teatral.
De uma forma bem aberta, investiga as diversas máscaras existentes, suas linhas, seu jogo, suas regras e dramaturgia. Confeccioná-las, experimentá-las, portá-las e, a partir destas experiências, criar outras.

Coordenação: Cuca Bolaffi - formada pela L'École Internationale de Théâtre Jacques Lecoq (Paris), com especialização na linguagem da máscara, atriz, diretora e mestra da Escola Livre de Teatro.

NÚCLEO DE MÁSCARAS ELT

Escola Livre de Teatro - Praça Rui Barbosa, 12, Santa Terezinha - Santo André/SP

(Próxima a estação de trem Prefeito Saladino)

Telefone: (11) 4996-2164 / 4997-5254 - e-mail:escolalivre@ig.com.br

e-mail blog: mascaraelt@gmail.com