A Commedia dell’arte: a
expressividade dos sete pecados capitais.
Surgiu na Itália no começo do
século XVI e inicialmente era um contraponto ao teatro literário culto e foi
inicialmente denominada de commedia all improviso, commedia a soggetto,
commedia di zanni. Foi somente no século XVIII que passou realmente a se
chamar Commedia dell’arte. Não se sabe ao certo se descende diretamente das
farsas atelanas romana ou do mimo antigo: pesquisas recentes puseram em dúvida
a etimologia do Zanni (criado cômico) que se acreditava derivado de
Sannio, bufão da atelana romana. Seus atores eram artesões de sua arte e foram
ao contrário dos grupos amadores acadêmicos, os primeiros atores profissionais.
Seus ancestrais foram os mimos ambulantes, os prestidigitadores e os
improvisadores. Veio do Carnaval, com cortejos mascarados, a sátira social dos
figurinos dos seus bufões, as apresentações de números acrobáticos e
pantomimas.
É preciso que se entenda,
desde o princípio, que Commedia dell’arte foi, naturalmente, um gênero de
teatro bem distinto de qualquer outro (...) O termo Commedia dell’arte
significa uma forma de comédia, a qual, em oposição a outras comédias escritas,
não era e nem poderia ser representada a não ser por atores profissionais.
(apud, DUCHARTRE, 1996:19-20).
Um teatro que surge na
Itália e de lá se propaga para o restante da Europa. Suas repercussões são
sentidas na França, na Inglaterra, na Espanha, na Alemanha e na distante
Rússia. (apud SCALA, 2003, p.19).
Arte mimética segundo a
inspiração do momento, improvisação ágil, rude e burlesca. O grotesco de tipos
baseada em conflitos humanos, matéria-prima da maioria dos comediantes. A
fixação de tipos tornou-se seu traço característico. O contraste da linguagem,
status, sagacidade ou estupidez dos personagens pré-determinadas assegurava o
efeito cômico. A tipificação leva os intérpretes a especializar-se numa
personagem em particular, num papel que se lhes ajustava tão perfeitamente e no
qual se movimentavam tão naturalmente, que não havia necessidade de um texto
teatral consolidado.
Bastava
combinar, antes do espetáculo, o plano de ação: a intriga, desenvolvimento e
solução. Os detalhes eram deixados ao sabor do momento. Uma vez inventado o roteiro (canovaccio1),
cada ator improvisa levando em conta os lazzi2.
Representam tipos físicos
divididos em dois tipos: os sérios – os enamorados (sem máscaras) e os
ridículos (com máscaras) – os dos velhos patrões cômicos (Pantalone, Tartaglia
e Dottore), do Capitano, sátira aos cavaleiros espanhóis da época. Dos criados
ou Zanni: Ragonda, Puncinella, Arlecchino, Brighella, Scaramuccia, Scapino,
Mezzottino, Coviello, Truffaldino, entre outros.
A Commedia dell’arte destaca-se
pelo domínio corporal, pela arte de substituir longos discursos por alguns
signos gestuais e de organizar a representação “coreograficamente”. O corpo era grotesco um componente que visava ao rebaixamento, à
distorção; enfatizava-se o ridículo, o extravagante, as características ligadas
à carne, como a fome, o sexo, as necessidades fisiológicas, entre outras. Os motivos
que moviam as personagens estavam ligados às questões de sobrevivência, calcadas
muito mais nas necessidades corporais do que intelectuais e emocionais. Não havia
preocupação com o psicológico. Somente com os enamorados, havia uma interpretação
mais realista, com posturas da cintura para cima, privilegiando o emocional e o
racional.
O corpo grotesco é um corpo em
movimento. Esse corpo grotesco não era acabado nem grotesco; nem estava
separado do resto do mundo, nem tampouco era degradação do sublime, mas ao
mesmo tempo, nascimento e ressurreição. É o corpo aberto ao mundo, penetrado
por ele através dos seus orifícios, protuberâncias, ramificações, é o corpo que
dá vida e desaparece, é o corpo das grosserias e das obscenidades, que estava
totalmente alegre, ousado, licencioso e franco; ressoava com toda liberdade na
praça, em festas, para além das restrições e convenções, e interdições verbais
(apud BAKTHIN, 2002).
Lecoq (2010, pp. 171) salienta
que a Commedia dell’arte é uma arte da infância. Passa-se muito rapidamente de
uma situação a outra, de um estado ao outro. Arlequim pode chorar a morte de
Pantalone e, rapidamente alegrar-se com a sopa que está pronta! Nisto, a
commedia contitui um território muito cruel, mas, sobretudo um território
fabuloso para o jogo. Uma das dificuldades encontrada na meia-máscara
expressiva é a voz. O trabalho é encontrar a voz da personagem, uma voz na
dimensão da interpretação com a máscara. O diálogo tende a golpe e resposta.
(LECOQ, 2010. pp. 173).
Tem uma coisa que eu acho muito
importante também que é o domínio da técnica de respiração, de articulação, de
projeção de voz e de movimentação que não são excludentes, são complementares.
São técnicas com a máscara expressiva, com a meia-máscara. O “grito” sempre é:
você colocou a meia-máscara, não pode ficar na mesma postura física e a sua voz
não pode ser a mesma; mas, às vezes, o ator esquece. Então, tem toda uma
preparação para pôr a meia-máscara expressiva, e no momento em que abriu os
olhos com a máscara expressiva o rosto, o corpo e a voz estarem transformados.
Se os atores têm boa formação de canto, de dança, quando ele coloca a máscara
neutra é a maravilha. Se ele não tem esse preparo de expressão vocal e
corporal, a máscara não vai adiantar de grande coisa (apud BIÃO, 2003).
Por
este virtuosismo corporal, as máscaras da commedia dell’arte suscitam um maior
impacto psicológico no ator. Nela o ator utiliza todos seus recursos físicos e
emocionais, pois, com ela, ele se despersonaliza em maior profundidade e lhe
causa maior impacto, devido às tentativas de reanimá-la, enquanto permanece
fixa em sua expressão. Abre uma caixa de Pandora, liberando as várias máscaras,
esboçadas numa só, que vem à tona como personagens grotescos que despertam
emoções e contradições internas no ator. É desejável que o ator experimente
mais de uma máscara. Desta forma ele aguça seu poder de criação como afirma
LOPES (1991, pp 335) sua habilidade de criar personagens diferentes será
extremamente valiosa quando, ao final do treinamento, o ator tira a máscara e
atua sem ela. Ele terá maior flexibilidade de interpretar personagens
diferentes ao longo de sua carreira.
Em busca da expressividade, da
prontidão física, do improviso, Arlecchinos, Pantalones, Capitanos, Brighellas,
Ragondas, Dottores, Tartaglias, Puncinellas e tantos outros são de inestimável
contribuição para corporeidade. A commedia com o grotesco, o animalesco e a
eterna caracterização das fraquezas humanas ainda é uma grande ferramenta no
treinamento do ator contemporâneo na incessante busca de uma maior
expressividade cênica.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
BERTHOLD, Margot. História
Mundial do Teatro. São
Paulo. Perspectiva, 2006.
LECOQ, Jacques. O
Corpo Poético. São Paulo: SENAC, 2010.
LOPES, Elizabeth Pereira. A máscara
e a formação do ator. Campinas: Tese-Doutorado, Unicamp, 1991.
PAVIS, Patrice. Dicionário de
teatro. São Paulo: Perspectiva, 2007.
COSTA, F.S. A Outra face: A
máscara e a (trans) formação do ator. Tese-Livre Docência, São Paulo,
ECA/USP, 2006.
VIEIRA, Marcílio de Souza. A
Estética da commedia dell’arte. Contribuições para o ensino das artes cênicas.
Tese- Mestrado. Rio Grande do Norte, UFRN, 2005.
1 Canevas é o resumo (o roteiro) de uma
peça para improvisações. Os atores usam os canovaccios para resumir a intriga,
fixar os jogos de cena, os efeitos ou os lazzi.
2 Elemento mímico ou improvisado que
serve para caracterizar comicamente a personagem. Contorções, caretas,
comportamentos burlescos e clownescos e intermináveis jogos de cena são seus
ingredientes básicos. O lazzi é o que o público espera do ator. Os lazzi tende
a ser integrados ao texto e são uma maneira mais refinada, porém lúdica, de
conduzir o diálogo, uma espécie de encenação de todos os componentes paraverbais
do jogo do ator.
Karel Dujardins mostrou uma cena vista por ele de perto do palco provisório de uma trupe viajante, em contraste com as ruínas idealizadas Romanas: obra datada de 1657 (Museu do Louvre)
Alguns personagens da Commedia dell'arte